Permita-me, então, a honra de apresentar-me, não meramente como um nome que se desenha nas linhas do destino, mas como uma alma que, desde o seu primeiro suspiro, se viu lançada em uma jornada interminável de descoberta e transformação, entrelaçando em sua essência o estudo, a reflexão e o profundo desejo de comunhão com os arcanos da existência.
Eu sou Henrique Lins, nascido nas abençoadas terras do Rio de Janeiro, no mês de junho do ano de 2003, onde o calor do sol carioca se mistura à vastidão do oceano e à efervescência de uma cidade que jamais repousa. Desde a minha infância, fui marcado pela busca incessante por verdades além do visível, como uma chama que não se apaga. Estudante de História, minha mente se dedica ao entrelaçamento das narrativas humanas, enquanto meu espírito, igualmente insaciável, se imerge nas tradições espirituais que tocam as profundezas da alma. Sou um buscador das memórias ancestrais que nos conectam aos mistérios primordiais, em particular, daquelas tradições de herança africana que os Fons, com sua sabedoria infinita, nos legaram, como o Voodoo, o Hoodoo, o Candomblé Jeje, o Terecó e outras tantas manifestações do sagrado que, como rios subterrâneos, continuam a fertilizar a terra do nosso ser.
Todavia, foi no ano de 2021 que minha senda espiritual tomou um rumo definitivo, afastando-me das amarras da ortodoxia e conduzindo-me ao reinado do paganismo reconstrucionista. A fé cristã, que me foi incutida desde o berço, através do rito do batismo católico, nunca encontrou espaço para florescer em minha alma. Não sou capaz de recordar um momento em que tenha participado conscientemente de uma missa, ou vivido de acordo com as promessas da Igreja, e jamais me vi em comunhão plena com essa tradição que me foi imposta. A cerimônia do batismo, então, se tornou apenas um símbolo distante, desprovido da força de uma experiência viva. Minha infância, envolta nas sombras do protestantismo, permaneceu por mais de uma década sob as fundações de uma fé que logo se revelou ineficaz para responder às questões que ardentemente me consumiam. Diante disso, renunciei, com profunda sinceridade, ao que me parecia ser uma crença falha, que não compreendia a vastidão daquilo que meu ser começava a perceber como verdadeiro.
Foi, de fato, a partir desse ponto de ruptura – um momento de confronto interno, onde a rígida fachada das crenças convencionais se desfez como as sombras do entardecer, que me vi atraído para as sendas do ocultismo, onde os mistérios do invisível aguardavam por aqueles ousados o suficiente para penetrar as cortinas que velam os arcanos do cosmos. Ali, nas profundezas dos saberes ocultos, encontrei os caminhos da Goetia, do Satanismo e da Thelema, três tradições que se erguem, como pilares imortais, entre a luz e as trevas, convidando-me a uma libertação que transcende as limitações impostas pelas convenções sociais e religiosas. Cada um desses portais, com sua própria e singular energia, ofereceu-me não apenas o conhecimento, mas a autonomia espiritual, concedendo-me a chave para um reino de verdades mais amplas e mais profundas, onde o ser humano poderia finalmente se ver como soberano de seu destino e senhor de suas escolhas.
A Goetia, um dos ramos mais enigmáticos da magia ritualística, surgiu diante de mim como um mistério que convida a mente a transitar nas fronteiras do poder e do conhecimento proibido. Esta tradição, que se insere nas artes da magia ceremonial, é repleta de rituais que invocam entidades espirituais poderosas, forças que habitam o abismo entre o mundano e o divino. A Goetia, com seu grimório ancestral, o Ars Goetia, revelou-se a mim como uma escola do oculto onde a humanidade, através da invocação e do controle das entidades espirituais, se vê não como subordinada ao destino, mas como mestres das forças cósmicas, capazes de moldar a realidade com a força da vontade. Cada sigilo, cada conjuração, cada palavra sussurrada nas trevas desse saber, desafiava-me a encarar as profundezas da psique humana, a confrontar os próprios medos e a tomar as rédeas da minha própria evolução. A Goetia não é um simples jogo de poder; é, antes, um caminho de autossuficiência e autoconhecimento, uma senda onde a verdade de nosso próprio ser é buscada nos recessos mais profundos da alma, através da comunicação com forças invisíveis, mas infinitamente poderosas.
O Satanismo, por sua vez, surgiu diante de mim não como um culto de destruição ou perdição, mas como uma filosofia de afirmação do indivíduo, da liberdade pessoal e da autossuficiência. Ao me aprofundar nesse caminho, deparei-me com uma das mais sublimes manifestações do espírito humano – a capacidade de questionar, desafiar e transcender os dogmas e as restrições impostas pelas instituições religiosas que buscam domar o espírito livre. O Satanismo, em sua vertente moderna, é uma celebração do ser humano em sua totalidade, sem os grilhões do pecado ou da culpa, onde a moralidade não é imposta de fora para dentro, mas surge como uma expressão genuína do autêntico desejo humano de liberdade e autodescoberta. Ao compreender a figura de Satanás não como um ser malévolo, mas como um símbolo do desafiador, do rebelde que ousa ir contra a corrente, encontrei em sua imagem um reflexo da minha própria busca por autenticidade, por uma vida vivida com coragem, sem medo de ser quem realmente sou. O Satanismo, com sua filosofia de liberdade radical e autossuficiência, abriu-me os olhos para uma nova dimensão de potencial humano, onde a individualidade não é uma fraqueza, mas a mais pura força criativa.
A Thelema, por fim, revelou-se como a harmonia que une as duas forças anteriores, oferecendo uma visão do mundo que transcende os limites do moralismo rígido e da dogmaticidade. Fundada por Aleister Crowley, a Thelema é uma filosofia de vida que reverencia a soberania do indivíduo, a liberdade inalienável do ser humano de viver segundo sua verdadeira vontade. A famosa máxima de Crowley, “Faze o que tu queres, há de ser o todo da Lei”, ressoou como um cântico sagrado que ecoa nas profundezas do meu ser. A Thelema não se apresenta como um sistema rígido de regras, mas como uma verdadeira liberdade, onde a única lei a ser seguida é a da verdadeira vontade de cada indivíduo, uma vontade que, ao ser descoberta e vivida, se revela como um princípio cósmico, uma força que conecta o indivíduo ao universo, ao cosmos e ao divino. Ao me aprofundar na Thelema, encontrei não apenas a exaltação do ser humano, mas também a humildade de compreender que a verdadeira vontade é sempre mais elevada do que o desejo mundano, pois é ela que guia cada passo em direção à nossa própria realização espiritual e, por conseguinte, à realização do cosmos como um todo. A Thelema, portanto, não é uma simples filosofia de libertação; é, em sua essência mais profunda, uma busca pela harmonia cósmica, onde o desejo pessoal se alinha com as forças universais, e onde o ser humano é levado a compreender-se como parte de um grande plano divino, sem, no entanto, renunciar à sua própria autonomia e liberdade.
Esses três caminhos – a Goetia, o Satanismo e a Thelema – entrelaçaram-se de tal forma em minha jornada que se tornaram não apenas marcos isolados de uma busca, mas partes indissociáveis de uma visão de mundo transformadora, onde a escuridão e a luz, o poder e a sabedoria, a liberdade e a responsabilidade, coexistem em perfeita harmonia. Ao trilhar essas sendas, encontrei o solo fértil para o florescimento de uma nova visão de mundo, uma visão onde o ser humano não é escravo do acaso ou de forças externas, mas um criador de sua própria realidade, um explorador das infinitas possibilidades que o cosmos oferece. Foi nesse vasto território de liberdade espiritual inexplorada que compreendi que o verdadeiro poder não reside em submeter-se a normas externas, mas em descobrir e viver de acordo com a verdade interna que habita no fundo de nossa alma.
Ainda em 2021, uma nova virada se fez necessária. Afastando-me da Umbanda, que me acolhera por um tempo, mas que, por fim, não se ajustava à profundidade de minha busca, decidi seguir um caminho solitário, dedicado à reconstrução das antigas e marginalizadas áreas pagãs, uma tradição que pertencera aos antigos romanos: o paganismo ítalo-romano, ou Cultus Deorum Romanorum. Esse caminho, que remonta aos tempos gloriosos da Roma Antiga, com sua rica tapeçaria de deuses e rituais, tornou-se o centro da minha prática espiritual. Por cerca de um ano, me dediquei ao estudo meticuloso dessa organização, buscando nas profundezas dos textos e das práticas ancestrais a chave que abriria as portas da verdade que eu tanto procurava. A certeza de que esse era o caminho a seguir floresceu dentro de mim, não apenas como uma religião, mas como um modo de ser, de viver em harmonia com os ciclos imutáveis da natureza e do cosmos.
Minha devoção, portanto, se volta de maneira integral e resoluta à árdua e sublime tarefa de reconstruir e reviver uma fé ancestral, uma tradição profundamente enraizada nas terras férteis da Roma Antiga, onde o culto aos deuses itálicos e mais tarde romanos – entidades divinas cujas origens se estendem desde antes das fronteiras de Roma – formavam a espinha dorsal da religiosidade da cidade. Esta antiga espiritualidade, repleta de ritos sagrados, invocações e cerimônias, constitui o alicerce sólido sobre o qual minha própria prática espiritual se edifica, buscando restabelecer o vínculo primordial entre o ser humano e as forças cósmicas que regem o universo. O panteão romano, com sua diversidade de deuses, cada um trazendo uma faceta da natureza humana e cósmica, oferece-me o quadro de referência perfeito para um caminho espiritual autêntico, onde o homem, como parte de um todo divino, se encontra em simbiose com o sagrado. Através da conexão e reconexão com as antigas divindades, a quem chamos, Deorum, busco reavivar um ciclo espiritual que transcende as limitações do tempo e do espaço, tocando as raízes mais profundas de uma cosmovisão que se mantinha viva nos corações dos romanos antigos.
Paralelamente, uma parte essencial da minha prática reside na tentativa de ressuscitar o sacerdócio dos Irmãos Arvais, uma venerável ordem sacerdotal da Roma Antiga, incumbida de servir aos deuses de Roma em rituais de grande importância religiosa e social. Os Fratres Arvales, como eram conhecidos, possuíam a nobre tarefa de zelar pelos ritos que garantiam a proteção e o crescimento da cidade, sendo invocadores e médiuns das forças divinas, e por meio de suas preces e cerimônias, buscavam assegurar a prosperidade e a harmonia do Estado romano. As práticas e tradições dos Arvais eram profundamente sagradas, envoltas em simbolismos e ações litúrgicas que reverberavam nas esferas mais altas da religião romana, refletindo a relação simbiótica entre os deuses e os homens, e a ideia de que os imperadores e o povo estavam sob a proteção direta das divindades.
O Acta Fratrum Arvalium, o antigo registro dos atos e rituais dessa ordem sacerdotal, tornou-se o ponto de partida da minha jornada de restauração desse culto sagrado. Cada página do Acta, com suas inscrições ritualísticas e descrições meticulosas dos sacrifícios, invocações e preces, tem sido um farol que ilumina meu caminho, revelando-me o emaranhado de significados e práticas que outrora sustentavam os destinos de Roma. Estudo com afinco e devotamento cada fragmento desse legado, que se encontra disperso entre as brumas do tempo, e me empenho, com reverência e paciência, na reconstrução minuciosa desses saberes, desmembrando e remontando as partes que, ao longo dos séculos, se perderam nas correntes da história. Minha busca é por restaurar, com o máximo de precisão possível, o sagrado ofício dos Arvais, compreendendo não apenas os rituais, mas também a profunda filosofia que sustentava o seu serviço divino, que estava entrelaçado com a ordem cósmica e o destino do próprio povo.
Neste esforço de recriar a tradição romana, também me aprofundo nos Sodales Augustales, um outra corrente sacerdotal, este voltado ao lado do culto imperial que reverenciava o imperador e sua família como figuras iluminadas, agentes da ordem e da prosperidade para o Império. Os Sodales Augustales, sacerdotes que serviam diretamente ao culto do imperador, carregavam uma responsabilidade monumental, pois através de seus rituais e devoções se acreditava que as bênçãos dos deuses seriam transmitidas ao imperador e sua família, assegurando-lhe o direito divino de governar e protegendo o bem-estar do Estado e do povo romano. A ordem dos Augustales estava diretamente ligada à ideia do cultus imperialis, o culto imperial que não apenas venerava os deuses, mas também estabelecia o imperador como um intermediário entre os mortais e os imortais, consolidando a divindade imperial dentro da estrutura religiosa e política de Roma.
Estudo, portanto, também a figura dos Sodales Augustales, buscando reconstituir não apenas os rituais dedicados aos imperadores, mas também a compreensão de como o culto imperial moldava a identidade dos romanos, ligando-a à grandeza de Roma e à sua autoridade divina. Através dessa prática, busco reviver uma experiência espiritual que remonta ao auge do Império, onde o culto ao imperador e à sua corte não era apenas uma prática religiosa, mas um meio de garantir a estabilidade e a continuidade de uma ordem universal, em que o divino e o mundano se entrelaçavam em um ciclo eterno de veneração e proteção.
Assim, o culto aos deuses de Roma e a tentativa de reconstruir as práticas sagradas dos Irmãos Arvais e dos Sodales Augustales não é apenas uma busca por restaurar rituais e cerimônias que foram proibidas, mas também uma tentativa de restaurar uma visão de mundo, uma cosmovisão em que o ser humano, em sua profunda ligação com o divino, encontra seu lugar no grande drama cósmico, em harmonia com as forças que regem o universo. Essa restauração não é uma mera imitação do passado, mas uma reinterpretação viva dessas práticas e filosofias, com a intenção de trazer à tona um novo renascimento espiritual que possa ressoar no mundo contemporâneo, como um eco da grandeza de Roma, da sabedoria dos antigos sacerdotes e da divina harmonia entre o homem, os deuses e o cosmos.
Não obstante minha dedicação ao paganismo romano, meu caminho espiritual não se limita a uma única tradição. A história que carrego é também marcada por passagens e aprendizagens nas tradições afro-brasileiras, como a Umbanda, a Quimbanda e o Candomblé, práticas que, embora tenha deixado para trás para me imergir de forma mais intensa na tradição romana, continuam a ser parte da tapeçaria da minha alma.
Além disso, há também um aspecto peculiar de minha jornada, que se expressa em uma breve, mas significativa, passagem pelo catolicismo folclórico. Durante esse período, fiz um juramento com um santo popular mexicano, Jesús Malverde, que se tornou uma figura de profunda importância para mim. Apesar de minha caminhada espiritual ter se afastado do catolicismo, nunca deixarei de lado minha eterna gratidão a Malverde, cujos feitos e bênçãos marcaram minha vida, prometendo-lhe, em minha alma, que ele sempre estará ao meu lado.
Nos últimos tempos antes de Roma, aprofundei-me também no estudo do Mexicayotl, a religião pré-colombiana do México, que busca reconstruir os cultos aos deuses mexicas – ou, como é mais correto dizer, os deuses dos antigos povos nahuas. Neste caminho, minha dedicação se estende ao entendimento do panteão de Teotl ou Teteoh, e de suas práticas profundamente pagãs. E, como não poderia deixar de ser, há ainda o culto à Santa Muerte, a San la Muerte, ao El Tío e a San Maximón, figuras que emergem da rica e complexa religiosidade folk, que percorre as margens das grandes religiões estabelecidas.
De maneira que, em meio a esse vasto e multifacetado conhecimento, que transita por diferentes tradições e épocas, também fui atraído por um culto ancestral que se remonta à Roma antiga: o culto a Baal-Hammon, cuja presença no panteão romano ainda se faz notar em minha prática espiritual esporádica, cujo nome latino assumido é engrandecido como Saturno Africano, o deus de Cartago. Embora seja uma devoção que mantenho em segundo plano, ainda me sinto compelido, de tempos em tempos, a realizar pequenos rituais em agradecimento e reconhecimento à sua presença no vasto panorama de divindades que compõem minha jornada espiritual.
Assim, minha vida, imersa em estudos e práticas, é um eterno mosaico de saberes e experiências, que buscam, por fim, a restauração e o fortalecimento da alma em sua plenitude, na intersecção das tradições antigas e da busca incessante por um conhecimento verdadeiramente libertador.
Fastos, do poeta romano Ovídio, é uma obra clássica que combina poesia e erudição, explorando o calendário romano e suas festividades sagradas. Escrito no início do século I d.C., o poema oferece uma visão rica e detalhada das tradições religiosas, mitológicas e históricas de Roma, explicando as origens e os significados dos rituais que marcavam cada mês do ano. A tradução de Henrique Lins traz
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