Aqui, em minha caverna, narro a história de Dimitri Bento da Silva Maior, o heterônimo de um homem qualquer que, não é atração para ninguém; um qualquer entre tantos outros —, apenas mais um. Dimitri Bento é um sujeito confuso par excellence; nascido nas Minas Gerais, Belo Horizonte, no dia 16 de fevereiro de 1945, ele recebeu uma forte educação clássica num colégio de jesuítas e formou-se em Direito, profissão que nunca exerceu. Morou por um tempo na Inglaterra e também na França, onde estudou filosofia. Influenciado pela onda esquerdista, aderiu a vários protestos da época de 68, foi às ruas francesas, se engajou no projeto progressista, porém, da mesma forma que entrou e engajou-se com a esquerda, também saiu, esfriou e desanimou com tal projeto; após concluir seu curso de filosofia na faculdade de Sorbonne, França, foi à Alemanha dedicar-se a estudar os pensadores alemães, Schopenhauer e Nietzsche, no seu idioma original. O confronto com esses pensadores o fez mudar radicalmente a forma de ver o mundo: desde então, Dimitri, tornou-se apolítico, renunciou à sua pátria e virou um niilista convicto. Em 1991, regressou ao Brasil, onde vive até hoje enterrado em sua casa; nem o brilho do sol ele faz questão de ver. Apesar de apreciar muito a obra de Nietzsche, o que vive e corre em suas veias, são as obras do velho alemão Schopenhauer e as da velha hiena romena, o senhor E. Cioran.
Já faz muito tempo, eu diria décadas, que Dimitri Bento vem sofrendo de esquizofrenia, hoje a sua doença já está um pouco mais controlada, se comparado com suas crises do passado, mas as suas ações psicopatológicas ainda causam bastante tumulto. Em um de seus delírios, Dimitri Bento se defrontou com seu duplo, mas sem saber de imediato que aquele que ele via era o seu doppelgänger; dias depois é que ele tomou o pé da situação, e falou ao seu coração as seguintes palavras: “Aqui atado, customizo seres à minha imagem, // cada qual uma estirpe que seja igual a mim, // que sofrerão, que chorarão, que padecerão… // mas gozarão, mas alegrar-se-ão e, sim, // não me respeitarão, porque verão uma miragem // em mim, e por isso, tais seres me desprezarão!” Não para o representar, mas para dar vazão ao mar de vozes que moram dentro dele, cada uma com a sua própria personalidade, o seu próprio chão e espaço-tempo, fora que Dimitri Bento reconheceu a sua criação espontânea, porém, esta, foi uma oferta dada pelo destino.
A esse doppelgänger, Dimitri Bento deu-lhe o nome de: Dimitri Cassius Lord Xavier Di Vall Icco. Esse duplo, falava ele, não representa o meu EU, mas sim, as minhas vozes internas, loucas e desordenadas. Não sei se elas também são o meu Eu ou se são partes do meu Eu. Não fui tão fundo ainda nessa etapa com o meu médico da cabeça. — exótico, mas eu tenho medo de falar ou de pensar na sua especialidade médica, e também o termo cujo qual a minha doença é designada no vade mecum psiquiátrico, me causa muitos desconfortos cognitivos. Ser esquizofrênico, palavra maldita e, ter que, conviver com a esquizofrenia, não é fácil.
Eu não me lembro muito bem quando é que começou esses distúrbios psicóticos, porém, tudo que me lembro é que, comecei bem de leve, — até então achava ser problema nas vistas, — a ver de forma embaçada a minha própria imagem perambulando nas ruas de minha cidade e do meu bairro e de todos os lugares que ia — eu dizia: não é real Dimitri. Não é! Depois passei a dizer: ei você, o duplo de mim, me espere por favor! Me espere! E acontecia dele fugir de mim, eu saia correndo atrás de mim mesmo pelas ruas e todos se afastavam e faziam expressões de medo e de pavor — eu era a aberração do bairro. Por muito tempo me senti assim, hoje não mais. Superei, muito se deve ao tratamento, mas pulemos essa parte. — é o desconforto que me assola; só um pouco. Mas me assola.
Nesse ínterim, foi que, dentro de minha alucinação que, eu consciente, pois aprendi como me tornar consciente nessas horas, pude perceber que o meu duplo tinha também o seu duplo dentro de si e, por conseguinte, dentro de mim. — Loucura extrema, pensei. Então interpelei o meu duplo para que o meu duplo pudesse interpelar, no que lhe concerne, o duplo que existia dentro do meu duplo. Tentei por três vezes durante três dias seguidos; a resposta que obtive foi que: “a razão que me faz alucinar está enraizada na minha mais terna infância”. Pensei comigo: “deu na mesma, não intendi nada”. Continuei com minhas análises pessoais e profissionais ao lado de meu médico, e tudo se esclareceu com o tempo. Para mim e para ele. Primeiro para mim, depois para ele. Começo pelo exórdio da coisa, o nome do duplo do meu duplo: “Dr. César Lucius Xavier Di Vall Icco”. Quando esse nome me foi revelado, caí para trás de susto, estava todo cagado de medo e pavor, pensei: “quantos desses demônios moram de fato dentro de mim?” — Estou até agora sem respostas. — E acredito que nunca as terei. — Desse dia em diante falava com o meu duplo todos os dias e o meu duplo, por conseguinte, falava para o seu duplo sobre as minhas dúvidas e as minhas queixas. Com o tempo tudo foi se assentando, quer dizer — quase tudo. Até hoje e, até agora, isso é tudo o que eu tenho a seu respeito:
Pertencente à Terra dos Serôdios, ou seja, à terra dos incomuns. O tempo e nascimento de Dr. César Lucius Xavier Di Vall Icco é oculto e escuro aos intelectos da humanidade média. Especula-se sem muita precisão que sua data de nascimento se deu por volta do início do século I da P.E.C. e sua data de morte é provável que tenha ocorrido por volta do começo do século II da P.E.C. Dia, mês, cidade ou coisa parecida sobre onde nasceu e viveu e morreu Dr. César, é um mistério. Esse homem é deslocado do tempo comum dos povos, não veio, não foi e não é. Enfim, há sobre sua pessoa e identidade mais especulações do que certezas. Dr. César é um mistério da Pós Era Comum, é um enigma sem chave de desvelamento. Ele é um buraco negro no universo das mentes médias.
Com total imprecisão nos dados acadêmicos, só sobrando mesmo a especulação, o que nos mostra tal atividade é, que Dr. César possuía graduação em Reintrodução Social de pessoas artificias com ênfase em Terapia de Robôs, possuindo ainda mestrado na área da Psicologia de IA’s com doutorado em Psicologia do inconsciente artificial de IA’s. E isso é tudo o que temos dele.